… que visitei uma Geleira

Tudo começou no começo de janeiro com um convite inesperado de uma grande amiga: “Vamos fazer esse trekking?”. A verdade é que fazer caminhadas de montanha pra mim sempre foram um tipo de esporte pra se fazer nas estações mais quentes, e me parecia que uma excursão em pleno inverno não fosse super adequada.

Mas, nesse espirito de “ano novo, vida nova”, resolvi me aventurar. Algumas ligações para me informar sobre quantos quilos de roupa e provisões seriam necessários e duas visitas à Decathlon mais tarde, e eu estava equipada para encarar os -10oC prometidos pela meteorologia.

E eu fui preparadinha ;)
E eu fui preparadinha 😉

Toda essa preparação era para um passeio mais que especial: conhecer a Geleira de Morteratsch, em meio à Cordilheira de Bernina, nos Alpes Suíços.

Saímos bem cedinho: às 6h45 deixamos Milão com um grupo de cerca de 30 pessoas. Foram quase 4 horas de estrada (e muita curvas), com uma paisagem de tirar o folego subindo cada vez mais alto nas montanhas. Tinha nevado com frequência nos dias anteriores, então tudo que se via eram quilômetros e quilômetros de neve branquinha por toda parte. Sem falar nas paisagens sem comparação do Passo Maloja: conhecida por ser rico em lagos imensos (e pela fama dos luxuosos hotéis de Saint Moritz), a região se transforma completamente no inverno: as águas desses mesmos lagos congelam, dando lugar a uma imensidão gelada que as pessoas aproveitam para praticar esportes invernais como hockey, esqui cross-country (aquele que se faz em terrenos mais planos), e até Kite Ski (que parece ser MEGA divertido!!!!).

Mas nosso destino era mais adiante: Morteratsch, a geleira mais maciça nos Alpes Orientais. Ao descer do ônibus quentinho e sentir na pele o frio enregelante a 2.050 metros de altitude já deu pra ter uma ideia do que estava por vir.

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O que dizer… a trilha que leva à Geleira propriamente dita é feita de maravilhas, num cenário imponente dentro do vale que foi criado na montanha graças ao gelo, com marcas de pegadas de animais típicos da região, como o íbex alpino, aqui e ali na neve fofa.

 

A Geleira: um ecossistema vivo

Nosso guia, o super querido Carmelo Vanadia, que organiza esse tipo de excursão como parte das atividades de uma associação que achei mega bacana, a Trekking Itália, a um certo ponto parou de caminhar pra nos fazer notar uma espécie de placa com o número 1900 gravado. Eu jurava que aquilo indicava a altitude do lugar, como se vê em outros passeios de montanha. Mal sabia eu que não tinha nada a ver com isso.

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Na verdade esses marcos ao longo da trilha indicavam até onde o Glaciar chegava em determinado ano. Ou seja, 1900 era o ano em que Morteratsch chegava até ali, bem no comecinho da trilha. Nos últimos 100 anos, o gelo recuou cerca de 2km para mais perto dos picos do vale.

A expansão ou diminuição de uma geleira é um movimento natural, faz parte da vida desse ecossistema. O que assusta, no entanto, é a velocidade absurda com que o degelo vem acontecendo nos últimos anos.

O último marco que vimos era de 2015, ano em que me mudei para a Itália. Se eu tivesse visitado Morteratsch naquele ano, teria caminhado cerca de 800 metros a menos do que este ano para tocar o glaciar. As estatísticas oficiais informam que ultimamente a geleira diminui uma media de 30 metros a cada ano. Ver uma mudança dessa magnitude dá um certo arrepio na espinha, e que não é causado pelo vento gélido que circula no vale. Ver coisas desse tipo te faz ter uma noção muito precisa do impacto que o aquecimento global está gerando. É assustador. Pelo menos pra mim.

Muito prazer, Morteratsch

De longe, a parte mais divertida da caminhada foram os metros finais, tentando caminhar na neve fofa. Vou ser sincera: bateu um medinho. Quando você menos esperava, vlupt! A perna inteirinha afundava no gelo. No entanto, ao contrário dos precipícios escondidos debaixo da neve que a minha imaginação amedrontada começou a criar, Carmelo me confirmou que não havia razão pra se preocupar: o maior perigo seria entrar um pouco de neve no sapato se não estivesse bem vedado. E daí a criança dentro de mim veio à tona, morrendo de rir a cada vez que meu pé desaparecia debaixo do gelo, deixando pra trás buracos azulados na neve.

Mas o grande protagonista desse passeio foi mesmo Morteratsch. As fotos desse post não rendem a grandiosidade e imponência da geleira, o que só dá uma desculpa a mais pra eu recomendar a todos que puderem que vão ali e a conheçam pessoalmente. Fora que, ao tocar a sua parede de gelo, você não sente quase nenhuma umidade. É uma sensação muito estranha!

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26804698_10209010651658031_5704265859109616391_nAproximar-se dessa montanha congelada e poder tocá-la é qualquer coisa de grandioso, daquelas experiências que se deve viver pra entender a pequenez que se sente diante de uma imensidão congelada que viu séculos e séculos passarem – e, com sorte, ainda verá muitos outros.

Outros 6 km montanha abaixo, com mais cenários grandiosos e temperaturas cada vez mais baixas (quando o Sol começa a baixar, vixe, que friaca!), paramos um momento pra tomar um chocolate quente e reaquecer os ossos antes de retornar a Milão para uma boa noite de sono debaixo de cobertas bem quentinhas 😀

Pra quem puder se interessar em um dia conhecer o Glaciar de Morteratsch, recomendo dar uma olhada no site oficial do Turismo da Suíça, ou também no site do Bernina Express que, além do passeio de trem muito recomendado, traz várias lendas interessantes ligadas a essa região muito especial dos Alpes Suíços. Ou então procure associações como a Trekking Itália, que organiza expedições a preços bem acessíveis e com um pessoal que faz esses passeios por pura paixão.

De minha parte digo apenas: vale a pena. E muito.

 

Drielle Cerri

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